Bruno Berlendis de Carvalho
Censura a essa hora do campeonato
Olha, que a gente vive uma espécie de Idade Média misturada com Renascimento, tudo batido no liquidificador do pós-moderno, disso eu já não tinha dúvidas uns anos atrás. Agora é patente.
Ok, vou deixar de lado as tendências desse ou daquele governo, a história das eleições de cá ou de lá. Falemos de livros. E isso não torna o assunto menos político.
Acabo de ler um artigo da historiadora Eliane Hatherly Paz, publicado no boletim PublishNews. Gira em torno do famigerado livro que Adolf Hitler escreveu na prisão, e que veio a alastrar o seu irrefreável libelo de ódio. Em seu artigo, a professora e historiadora expõe argumentos condenando o fato de que um editor brasileiro tenha-se visto obrigado a jogar no lixo o esforço para publicar uma edição crítica do livro e, mais do que isso, também a decisão judicial que proíbe terminantemente qualquer publicação do título. Pronto, a obra está banida e não se fala mais nisso. Calaboca.
    
Deparei com essas questões por conta própria, poucos anos antes do bafafá. Em 2013, eu estava escrevendo a parte final de uma extensa pesquisa de mestrado. Meu assunto era um estudo compreensivo de como, entre os séculos XVIII e XIX, o vampiro tornou-se um tipo literário e, além disso, uma espécie de alegoria privilegiada do parasitismo em geral. Foi nesse contexto que cruzei com o abominável Hitler. Tinha notícias esparsas de que no Mein Kampf ele teria emprestado traços  vampirescos ao atacar as pessoas de etnia ou fé hebraica; mas não encontrava um texto confiável para que o pudesse citar com segurança. (Em minha dissertação, falo disso à pág. 294.) Pesquisei em todas as bibliotecas da instituição onde defendi o mestrado, a Universidade de São Paulo. Nenhuma possuía uma cópia sequer, quanto mais uma edição crítica ou minimamente respaldada por princípios de ciências humanas. Achei aquilo um absurdo.
É exatamente calando sobre nossa história, particularmente sobre as atitudes de ódio e intolerância, que os preconceitos vêm a medrar nos recônditos da sociedade – até um dia sair do armário (com o perdão da expressão deslocada). Pior: como é concebível que uma universidade conceituada como aquela não dispusesse de um texto simplesmente seminal para a compreensão do século passado? E de seus horrores mais pavorosos.
Gente, o ser humano é capaz de criar coisas maravilhosas, mas não é fichinha. Esconder isso debaixo do tapete não vai nos tornar melhores ou mais igualitários: não mesmo.


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