Bruno Berlendis de Carvalho
Li num filme, vi num livro [parte II]
Um caso bastante particular de articulação entre literatura e cinema se dá com o Alan Minas. Diretor de documentários, e agora de um premiado longa ficcional, possui um processo criativo em que a escrita é bem mais do que um estágio – é um componente que está na base de seu trabalho.
Uma das belezas de seus textos e filmes parece estar ligada à valoração, pelo autor, de uma certa ingenuidade. Seus personagens exibem a pureza do viver e suas contradições, o pulsar do desejo que não aliena frustração. Nas reflexões que deles afloram, nos diálogos internos e falados, o racional se mistura ao fantasioso e a língua se renova com o frescor do murmulho dum olho-d’água.
E mesmo assim, sob um outro aspecto, Alan está longe de ser um autor ingênuo. Seus personagens são sim complexos, mas não carecem de explicação; espera-se do leitor/espectador uma participação ativa, a preencher como bem queira os propositais “espaços vazios”, os interstícios — que ligue os pontos. As narrativas, as trajetórias de vida não se desenrolam linearmente, estão sujeitas aos pulos e retomadas como de um jogo entre sonho e consciência. Numa palavra, trata-se de uma prosa e de um cinema arraigadamente anti-cartesianos.
Basta, para comprová-lo, ver o filme A família Dionti, previsto para entrar em circuito no início de 2017. A força com que Alan e sua equipe conseguem narrar os arroubos e inseguranças de um primeiro amor; as dores contidas — “os guardados” – do amor que envelheceu... O surpreendente vigor cheio de delicadeza, tão característico de Alan Minas, também se revela, mas com outra face, no romance homônimo.
É curioso: embora filme e livro se alimentem das mesmas personagens, contam estórias ligeiramente diferentes. Talvez porque os espaços em branco (pra retomar o que sugeri acima) sejam uns no romance e outros no longa-metragem.
Alan Minas procurou nossa editora no ano de 2012. Entre os textos que nos apresentou, havia um conto lindíssimo, profundamente emocionante, de 18 páginas. Não demorei a manifestar nosso interesse em editá-lo. Só que Alan é um autor irriquieto: no lugar de acertamos logo sua publicação, ele “inventou” de elaborar o conto em roteiro; esse roteiro foi premiado e Alan mergulhou no processo de filmagem, em seguida, de pós-produção. Enquanto isso, o conto ficou ali a fermentar, como dotado de forças próprias; ganhou corpo e contornos mais detalhados. Estava virando outro livro.
Agora, lançamos o romance A família Dionti. O engraçado é que, de certa maneira, o teor de tudo o que está ali, e também daquele outro “tudo” que vemos e ouvimos no filme, já se encontrava no conto inicial, mesmo que embrionariamente. Os desenvolvimentos na tela e no romance, contudo, tomaram rumos próprios, ditados, assim creio, pela própria gramática que ali estava a se inventar.
Estou muito orgulhoso de ter estado esse tempo em contato com Alan Minas, e de agora ter a oportunidade de comemorar junto com ele o resultado de suas realizações. Faço-o com um enorme sorriso no rosto, e não escondo os olhos marejados de emoção.

Obrigado, Alan. Mesmo.


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